O regresso da BD Disney

O Walt Disney nasceu a 5 de dezembro de 1911. A editora Goody utilizou esta efeméride para um apregoado “regresso” das revistas de banda desenhada Disney em Portugal, através de duas publicações.

A BD Disney foi publicada em jornais portugueses desde os anos 30 – com destaque para O Primeiro de Janeiro – e, mais tarde, em álbuns brochados ou cartonados – através, por exemplo, da Edinter. E houve ainda direito a  publicação em revista nos anos 50 pela Agência Portuguesa de Revistas, de curta duração. Por outro lado, a nível de importação, as revistas brasileiras da editora Abril estiveram presentes nos quiosques até aos anos 80.

No entanto, foi em em abril de 1980, com o Mickey nº1 e uma editora na altura denominada Morumbi, que se iniciou uma aventura de 26 anos de presença constante de revistas Disney nos quiosques portugueses, editados em português europeu. Realmente, com a data estampada de outubro de 2006, a revista Tio Patinhas nº 250 foi a última revista publicada pela Edimpresa, já com uma estrutura editorial muito diferente da inicial.

Findo esse ciclo, foi um hiato. Nos últimos 2 anos e meio, a única BD Disney presente nos quiosques tem sido pela mão da Goody na revista Cars, uma revista de atividades para crianças baseada no universo Pixar/Disney dos filmes, que publica 3 histórias de banda desenhada de autores italianos por volume (exceto nos números especiais com as adaptações da 7ª para a 9ª arte). No entanto, dada a maioria das suas páginas não se dedicarem à BD (geralmente, apenas 9 das 36 páginas) é frequentemente classificada como uma revista com mas não de BD – as tais vãs classificações.

E, como tal, não foi considerada pelos que apregoaram o mês passado ser marcado como a data do “regresso” da BD Disney a Portugal. Num ponto, não há discussão. É o regresso do universo dos “patos” e “ratos” Disney. Até ao momento, foram já publicadas 7 revistas Disney Comix (é semanal, sendo lançado um novo número todas as 4ª feiras) e 1 revista Hiper Disney (mensal, publicada na última 6ª feira de cada mês). Esta última apresenta Disney Hiper na sua identidade gráfica, mas optei neste texto por utilizar o nome constante da sua ficha técnica.

Ou seja, num curto espaço de tempo e apesar de só existirem duas séries em publicação, uma enorme quantidade de páginas chegou às mãos dos leitores (132 páginas em cada uma das revistas semanais e 324 na mensal) em pontos de venda tão diferentes quanto quiosques, livrarias ou supermercados.

As tiragens da Disney Comix têm-se mantido nos 40000 exemplares, após um primeiro número de 75000 (com direito a preço promocional) e um segundo de 50000 exemplares. O primeiro Hiper Disney teve uma tiragem mais modesta de 20000 exemplares. Comparando com os 26 anos entre Morumbi e Edimpresa, conforme podem conferir na entrevista que realizei a Paulo Ferreira, editor da Edimpresa, publicada no livro Formas de Pensar a BD (ISBN 978-989-95128-9-4; editado em 2007), as edições mensais dos anos 80 tinham tiragens de 70000 exemplares e em 2005 de 18500 exemplares. Ou seja, as atuais tiragens são superiores às que existiam quando a Edimpresa cancelou a publicação de revistas Disney.

Da leitura das revistas, houve algumas surpresas menos agradáveis:
– nomes de personagens ou locais trocados (pouco frequente, mas muito desagradável);
– ordem trocada de páginas nas histórias (não na revista mas na própria história; detetei este erro duas vezes);
– pior qualidade de imagem nas páginas em que o título teve de ser trabalhado dentro da vinheta (quase omnipresente no primeiro Disney Comix);
– data trocada do lançamento da próxima revista anunciada;
– mesmo que o leitor tenha cuidado, a lombada e por vezes capa e contracapa sofrem com a leitura;
– a maior largura e altura do Hiper Disney não traduz um aumento do tamanho das pranchas mas sim das margens.

No entanto, estes pontos não devem comprometer uma editora que publica 850 a 982 páginas de BD Disney por mês e está a dar os seus primeiros passos nestes universos. A maior crítica dos leitores adultos – além do rebatismo de alguns personagens numa ou noutra história – prende-se com a proveniência das estórias.

Na entrevista supracitada, discutiram-se quem eram os leitores Disney de então. E não existia um leitor típico. A maioria dos leitores eram rapazes de 8 a 14 anos que preferiam estórias médias, de 10 a 12 páginas e apreciavam estórias de autores italianos. Mas existiam muitas franjas, com os leitores de 20 a 30 anos a comprarem revistas que apenas tivessem no seu interior estórias de Carl Barks, Don Rosa e Giorgio Cavazzano, entre outros.

A Goody, no seu lançamento, anunciou ter intenção de publicar uma revista intergeracional, dos 8 aos 88 anos. Apesar de continuar a manter essa intenção, os leitores mais velhos têm vindo a demonstrar a sua insatisfação em diferentes espaços da internet portuguesa devido à ausência de estórias de origem norte-americana, brasileira, dinamarquesa e holandesa e de nomes como, além dos já citados, Floyd Gottfredson, Paul Murry, Tony Strobl, Al Taliaferro, Vitor Arriagada Rios (Vicar), Pat e Carol McGreal, entre outros. Aparentemente, estes leitores não se identificam com a maioria dos prolíficos autores italianos publicados até ao momento nas revistas da Goody.

Independentemente dos autores e estórias serem considerados demasiado infantis para alguns, acredito que para a maioria dos mais novos, que conhecem os patos e ratos Disney através da série animada A Casa do Mickey Mouse – destinado a um público pré-escolar – esta poderá ser uma porta de entrada interessante na BD Disney ou na banda desenhada em geral.

E os leitores Disney de “88 anos”? Verão os seus desejos realizados?

Contactada a Diretora Clara Raimundo, a única resposta que nos pôde dar com rigor foi a de que a curto prazo as revistas de banda desenhada Comix e Hiper irão cingir-se aos universos “patos” e “ratos”!

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